quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O MAÇOM E A SOLIDARIEDADE


A Solidariedade é uma das marcas características do Homem, que o distingue das demais criaturas porque brota de seu íntimo e se origina da Lei Natural impressa pelo Criador em seu espírito. Basta atentarmos para as incontáveis tragédias que diuturnamente os meios de comunicação de massa nos colocam diante dos olhos. Em meio aos quadros terríveis, alguns dantescos, invariavelmente aparecem, como anjos de misericórdia, aqueles que doam-se a si mesmos para minorar os sofrimentos alheios, às vezes sob o risco ou até mesmo com o sacrifício de suas próprias vidas.
Se formos ao dicionário, encontraremos como definição que Solidariedade é: “Adesão ou apoio, no sentido moral, à causa, empreendimentos, princípios, etc., de outros de tal forma que um indivíduo se vincula à vida, aos interesses e às responsabilidades de um grupo social, de uma nação ou da humanidade como um todo.”
Se nos voltarmos, agora, para a instituição maçônica veremos que nela a Solidariedade constitui uma das colunas mestras de sua construção, dada a universalidade da Ordem. É por meio desse sentimento que nos unimos, em espírito, a outros Irmãos Maçons, inclusive àqueles de cuja existência sequer temos conhecimento mas com quem, a cada dia, do meio-dia à meia-noite, trabalhamos espiritualmente para construir a Paz e erguer o Templo da Fraternidade Universal.
Como diz a Quinta Instrução de Aprendiz, a Solidariedade é o laço que nos une e nos fortalece na luta incansável e ininterrupta que devemos manter contra os inimigos magnos da felicidade do Homem. Mas, ainda que exaltada dentro da Ordem, ela não pode ser praticada apenas dentro do universo maçônico e deixada de lado na vida profana. Isso seria uma incoerência, porque antes de sermos Maçons somos irmãos universais, independente de nossas nacionalidades, cor, crença política ou religiosa.
Se um semelhante nosso sofre, quem quer que seja ou onde esteja, nossa natureza comum de filhos do mesmo Pai deveria nos irmanar nesse mesmo sofrimento. Mas, é justamente aí, na visão do sofrimento que se tornam nítidos os dois lados contraditórios do problema: Luz e Trevas. Por que, diante de tragédias dos últimos anos, como as de Biafra, Ruanda, Angola, Zaire, África do Sul, Bósnia, para citar apenas algumas das mais cruentas, se vemos exemplos da mais exaltada Solidariedade de um lado, de outro também se destaca uma fria Indiferença de tantas pessoas e mesmo nações?
O monstro de crueldade, Stalin, que durante tantos anos dirigiu com mão de aço a União Soviética, disse certa vez que “uma morte é tragédia, mas milhões são apenas uma estatística” e a realidade do mundo de hoje continua dando razão àquela afirmação de crueza inaudita. Quando o sofrimento se torna, apesar de concreto, uma mera abstração que desaparece ao apertar do botão da televisão ou do fechamento da página do jornal nós nos separamos dele, deixando de vê-lo sob a ótica da Lei Natural. Não nos irmanamos, pois, não o sentimos como nosso também; nos alienamos dele, simplesmente.
Ao longo de minha vida, tanto profana como maçônica, tive a oportunidade de me deparar com inúmeras abordagens, textos e concepções sobre a Solidariedade, alguns superficiais, outros por demais filosóficos mas, alguns também de conteúdo maravilhoso e inspirador. Dentre esses, lembro-me bem deste que se segue e que reproduzo na esperança de que sirva para alimentar a chama da Fraternidade e da Solidariedade em nossos corações, única forma de nos sentirmos verdadeiramente unidos e irmanados com todos os que sofrem e choram na solidão gelada em que são colocados pelo desamor.
“Um discípulo chegou-se a seu Mestre e perguntou-lhe:
- Mestre, qual a diferença entre o Céu e o Inferno?
Respondeu-lhe o Mestre:
- Vi um grande monte de arroz, cozido e preparado como alimento. Ao redor dele estavam muitos homens famintos. Eles não podiam se aproximar do arroz, mas possuíam longos palitos de dois a três metros de comprimento. Pegavam, é verdade, o arroz mas não conseguiam levá-lo à própria boca porque os palitos eram muito longos. E assim, famintos e moribundos, embora juntos, permaneciam solitários curtindo uma fome eterna diante daquela inesgotável fartura.
Isso era o Inferno.
- Vi outro grande monte de arroz, cozido e preparado como alimento. Ao redor dele estavam muitos homens famintos, mas cheios de vitalidade. Eles não podiam se aproximar do arroz, mas possuíam longos palitos de dois a três metros de comprimento. Pegavam, é verdade, o arroz mas não conseguiam levá-lo à própria boca porque os palitos eram muito longos. Mas, com seus longos palitos, ao invés de levá-los à própria boca serviam-se uns aos outros o arroz e assim saciavam sua imensa fome, numa grande comunhão fraterna, juntos e Solidários.
Isso era o Céu.”
Reflitamos um pouco sobre o que essa parábola oculta em sua linguagem figurada e se o mundo hoje não é, em grande parte, aquele primeiro grupo de homens, juntos mas solitários, padecendo de fome diante da fartura. Ao depararmos com o sofrimento, o que sentimos? O aguilhão da culpa, por nada fazermos, ou uma identificação?
De nada serve racionalizar o problema, dizendo: “Não posso fazer nada. Esse problema está muito longe e não tenho como ir até lá” ou “Faço o que posso com quem está mais próximo de mim e sempre contribuo com o Tronco de Beneficência de minha Loja”. Pode-se fazer mais, sim.
Pode-se estender a ponte e compartilhar o sofrimento em espírito. Pode-se erguer os olhos para o Senhor da Compaixão e orar, em união com todo o sofrimento do mundo.
Se sou Solidário apenas porque uma regra me diz que devo sê-lo que mérito há nisso, se até uma criança é capaz de seguir regras, ainda que não saiba discernir o seu conteúdo? Se sou Solidário apenas com quem está mais próximo de mim, o que estou realizando se até mesmo os animais são capazes de defender os seus?
Cada um de nós recebeu, embutida no espírito pelo Criador, a semente da Solidariedade. Ela está dentro de nós mas não lhe damos um solo, não a irrigamos, não nos tornamos jardineiros. Carregamos a semente adormecida, encerrada em uma cela; não a colocamos na terra. Temos medo que ela morra, o que é verdadeiro num certo sentido pois morrer ela precisa para que a árvore nasça. Cada desabrochar é morte e nascimento e a semente tem que morrer mas é precisamente por isso que temos medo, porque protegemos a semente.
Diz uma história oriental que certo rei tinha três filhos, todos fortes e talentosos e estava indeciso e confuso quanto a qual deles entregar o reino. Assim, chamou um Mestre e perguntou-lhe o que deveria fazer para resolver o impasse. O Mestre aconselhou-o a sair em uma longa viagem deixando com cada filho uma determinada quantidade de sementes de uma flor muito rara e dando-lhes instruções para que as preservassem o mais cuidadosamente possível, eis que suas vidas dependeriam disso. Satisfeito com o conselho do Mestre, o rei procedeu como lhe fora dito e partiu em viagem.
O filho mais velho era mais experiente nas coisas do mundo e calculou que o melhor seria guardar as sementes a salvo e assim poder devolvê-las a seu pai, intactas. Assim pensou e assim fez. Colocou-as em um cofre e pendurou a chave em uma corrente que levava permanentemente presa ao pescoço.
O segundo filho calculou que sendo as sementes de uma flor muito rara, deveria vendê-las e fazer um bom dinheiro. Quando o pai retornasse, compraria outras sementes novas pois ninguém saberia dizer a diferença. Assim pensou e assim fez.
O terceiro filho era menos experiente nas coisas do mundo e mais inocente e calculou que as sementes deveriam ter um significado. Pensou consigo mesmo, “As sementes existem para crescer. A própria palavra já tem o sentido de Origem, o que indica que ela é uma busca e a menos que se torne algo, não tem significado. Ela é como uma ponte que se tem que atravessar”. Assim pensou e assim fez. Foi ao jardim do palácio e plantou as sementes.
Após uma longa ausência, retornou o rei e quis logo saber das sementes, mandando chamar os filhos à sua presença.
O mais velho pensou que o mais novo iria ficar muito mal perante o pai, porque destruíra as sementes; e o mesmo se daria com o segundo, porque as vendera. Mas, o mais novo não estava preocupado em vencer, apenas em preservar as sementes e isso só conseguira quando entendera que elas precisavam morrer e depois renascer, para dar novas sementes.
O rei chamou o mais velho e disse-lhe: “És um estúpido e por isso perdeste o reino, porque uma semente só pode ser preservada se tem a oportunidade de morrer no solo, se tem a oportunidade de renascer”.
Ao segundo filho disse: “Agiste melhor que teu irmão mais velho, mas também perdeste o reino, ainda que tenhas compreendido que as sementes envelheceriam. Mas, a quantidade não mudaria. Quando a semente é preservada, multiplica-se por milhões”.
Ao terceiro filho disse: “É teu o reino, porque soubeste compreender, na inocência, a mensagem que antes dos tempos já te fora dada pelo Criador”.
 
Texto do Irm.'. Antonio Carlos de Souza Godoi
 
Fonte: http://blogdamaconaria.blogspot.com 

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